Mais um sábado de nevoeiro em Santa Barbara. Percorremos a 101 norte para ultrapassar o Gaviota Pass, e dar acesso ao vale de Santa Ynez, brilhando com o sol de verão. O vale é mais conhecido pelas suas vinhas e vinhos, mas o que nos motiva a viagem são outras bagas roxas, as blueberries. Vi o sinal convidativo na terça-feira anterior “Pick your own Blueberries”. Pesquisei e não me surpreendi por encontrar o site da “Restoration Ranch”, com fotografias claramente tiradas após as parcas chuvas do inverno neste Southern California. No site, indicavam que as blueberries não só estavam “em época” como podiam por nós ser colhidas até encher um balde que me custaria $10. Tínhamos o horário, tínhamos as direcções, tínhamos a atitude...
Ícone da agricultura moderna No Restauration Ranch, estacionamos ao lado dos monovolumes e SUVs a verter o número de crianças que justificou a compra destes carros com mais de 5 lugares. Dirigimo-nos à barraquinha para receber o tal balde e percorremos o trilho indicado até à bandeira branca, onde era permitido colher as bagas.
Ponto de entrada no recinto bem vedado Ei-las, majestosas bagas! Colhemos rapidamente um quilo.
O moço entreteve-se a tirar fotografias inspiradas por certos blogues de vinhas.
Fotografou desde os métodos de proteger as bagas dos pássaros e roedores...
ao sistema de rega!... não fosse haver entre os leitores quem quisesse produzir esta frutinha em Portugal!
A ideia não era fazer uma competição....
...mas houve claramente uma vencedora.
No entusiasmo de chegar à quinta das blueberries, enganamo-nos na saída. Demos com um “barn” feito de madeira, com um gigante símbolo da paz. Claramente, tínhamos acertado embora estivéssemos no lugar errado.
Estacionamos e entramos naquele ponto de venda agrícola onde estavam clientes a encher sacos com legumes e frutas colhidos no campo cultivado do lado oposto da estrada.
Foi então que vimos o sinal, “pague aqui”. Por debaixo, estava o outro, “estamos muito ocupados a cultivar mais vegetais para estarmos aqui a colher dinheiro".
"Paga o que levar e, se não tiver troco, compensa da próxima vez”. Por debaixo, uma pipa de carvalho que tinha uma ranhura para largar as notas e as moedas do pagamento, assim como uma jarra com moedas para facilitar o troco.
"Change" = troco ou mudança
"A mudança (o troco) chegou à America. Se precisas de fazer a mudança (troco)... agora podes (now you can!)"
Este estabelecimento de venda funciona num sistema de honra, em que se anota o que se levou num caderno, e paga-se o que se deve e já está. Durante o ano, são vários os frutos desta terra.
Se quiséssemos um preço mais barato, davam outra opção: atravessar a rua e dirigirmo-nos ao referido campo, colher a fruta da época, neste caso os morangos, e pagar menos por aqueles gomos incandescentes de sabor da fruta acabada de colher.
Quantos avôs, que se acostumaram à falta de povo para trabalhar as suas terras (independentemente da jeira que receberia), dariam gargalhadas se lhe contassemos que os netos estão dispostos a pagar para os deixarem colher a frutinha boa? No caminho de regresso, com o sol ainda a queimar nos ombros e com o pé humilde - cheio de terra escura e fértil, a carregar no acelerador do carro a gasolina, começamos a considerar o custo desta tarde. No que toca aos alimentos, sem dúvida que a qualidade era superior ao preço pedido, e mesmo este último podia ser considerado acessível para os nossos bolsos agora acostumados a comprar fruta e legumes nos EUA. Quanto aos gastos no transporte, o parco preço da gasolina torna esta componente quase irrelevante na tomada deste tipo de decisões. O tempo, a esse sim, atribuímos um valor significativo, e, de facto, uma hora de viagem não faz da apanha de blueberries uma coisa para incluir na nossa rotina. O custo energético? Apesar da comida que temos no frigorífico ter viajado com certeza mais quilómetros para cá chegar, receamos que a economia de escala ainda faça da nossa façanha um absurdo de gasto de energia. O ideal seria um campo agrícola mais perto das cidades, e a memória nos foge para os lotes agrícolas, ainda sem prédios, em Matosinhos e Rio Tinto....